“Senhor, piedade”. A prece presente no trecho da música “Blues da Piedade”, do cantor e compositor Cazuza, expressa, de forma literal, o pedido de milhares de cidadãos brasileiros que, mesmo vivendo em um país dito laico em sua Constituição Federal, temem expressar suas tradições e cultuar a sua religiosidade.
É cada vez mais comum nos depararmos com manchetes de jornais relatando agressões justificadas pela religião. Ataques a terreiros, centros espíritas, destruição de imagens santas, xingamentos e até mesmo agressões físicas colocam em xeque a laicidade do País que, através da Constituição Federal de 1988, garante a liberdade de expressão religiosa a todo cidadão. Além disso, a liberdade ao culto também é garantida a religiosos.
Crimes ligados à intolerância religiosa existem desde os primórdios. Ao analisarmos a história mundial, tomamos conhecimento de diversos momentos em que a religião foi usada como motivo para a discórdia. No Brasil, essa questão foi pontual desde a chegada dos primeiros colonizadores, brancos e católicos que, ao se depararem com os nativos, usaram a força para impor sua religião. Tempos depois, a intolerância religiosa e cultural ganhou força com a chegada dos escravos africanos.
Atualmente, a mesma ignorância em aceitar o diferente tem gerado crimes. Em Rondonópolis (218 Km de Cuiabá), vândalos atearam fogo em um Centro Espírita (Associação A Caminho da Luz), em meados do mês de julho deste ano.
A Associação - que faz trabalhos de evangelização para adultos e crianças nos bairros próximos à sede, além de distribuição de sopa e tratamentos espirituais - foi vandalizada e teve portas arrombadas, salas queimadas e destruição de patrimônios. Segundo a presidente do Centro, Elcha Britto, este foi o quarto ataque ao local. “Nós estamos com medo de novas retaliações e destruições da Associação. Nas duas primeiras vezes que o lugar foi arrombado não denunciamos, mas a partir daí fomos à polícia e agora tememos novas investidas”, disse Britto ao Circuito Mato Grosso.
Em julho deste ano um caso ganhou repercussão nacional. Dessa vez o cenário foi o Rio de Janeiro e como personagem uma menina de apenas 11 anos, apedrejada ao sair de um terreiro de Candomblé, por conta de fanatismo religioso. O caso chocou o País, não apenas pela intolerância religiosa, mas pela violência física contra uma criança.
Praticantes de outras religiões também têm relatado sofrimento e preconceito, como é o caso de mulheres islâmicas que sofrem repúdio porque usam véu. Homens judeus têm os chapéus, chamado quipás, retirados à força em revistas policiais, e católicos são agredidos fisicamente e têm símbolos de sua religião, como santos e terços, destruídos pela intolerância.
Em Mato Grosso o delegado Luciano Inácio, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) foi designado, há pouco mais de um mês, para cuidar especialmente de casos relacionados à intolerância religiosa.
Luciano explica que ainda não há dados específicos com essa tipificação, mas relata que já tem alguns casos em análise. “Temos um, por exemplo, de um Centro Espírita que relata arrombamentos, depredação e até apedrejamento, no Bairro Santa Laura, aqui em Cuiabá”.
Para Luciano Inácio a grande maioria dos casos relacionados à intolerância é voltada a religiões de matrizes africanas. “Elas são muito incompreendidas, seus rituais são mal vistos e já foram perseguidos até pelo Estado, em outros tempos. Há uma associação negativa atrelada ao mal, a sacrifícios e coisas similares. Essa campanha negativa é fruto do desconhecimento” aponta o delegado.
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